24 julho 2019

Profissão de Fé

Profissão de Fé
Le poète est ciseleur,
Le ciseleur est poète.
Victor Hugo
Não quero o Zeus Capitolino
Hercúleo e belo,
Talhar no mármore divino 
Com o camartelo.
Que outro - não eu! - a pedra corte 
Para, brutal,
Erguer de Atene o altivo porte 
Descomunal.
Mais que esse vulto extraordinário, 
Que assombra a vista,
Seduz-me um leve relicário 
De fino artista.
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo 
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara 
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara, 
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me, 
Sobre o papel
A pena, como em prata firme 
Corre o cinzel.
Corre; desenha, enfeita a imagem, 
A idéia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem 
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima 
A frase; e, enfim, 
No verso de ouro engasta a rima, 
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina, 
Dobrada ao jeito 
Do ourives, saia da oficina 
Sem um defeito:
E que o lavor do verso, acaso, 
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso 
De Becerril.
E horas sem conto passo, mudo, 
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo 
O pensamento.
Porque o escrever - tanta perícia, 
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia 
De outro qualquer.
Assim procedo. Minha pena 
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena, 
Serena Forma!
Deusa! A onda vil, que se avoluma 
De um torvo mar,
Deixa-a crescer; e o lodo e a espuma 
Deixa-a rolar!
Blasfemo> em grita surda e horrendo 
Ímpeto, o bando
Venha dos bárbaros crescendo, 
Vociferando...
Deixa-o: que venha e uivando passe
- Bando feroz!
Não se te mude a cor da face 
E o tom da voz!
Olha-os somente, armada e pronta, 
Radiante e bela:
E, ao braço o escudo> a raiva afronta 
Dessa procela!
Este que à frente vem, e o todo 
Possui minaz
De um vândalo ou de um visigodo, 
Cruel e audaz;
Este, que, de entre os mais, o vulto 
Ferrenho alteia,
E, em jato, expele o amargo insulto 
Que te enlameia:
É em vão que as forças cansa, e â luta 
Se atira; é em vão
Que brande no ar a maça bruta 
A bruta mão.
Não morrerás, Deusa sublime! 
Do trono egrégio
Assistirás intacta ao crime 
Do sacrilégio.
E, se morreres por ventura, 
Possa eu morrer
Contigo, e a mesma noite escura 
Nos envolver!
Ah! ver por terra, profanada, 
A ara partida
E a Arte imortal aos pés calcada, 
Prostituída!...
Ver derribar do eterno sólio 
O Belo, e o som
Ouvir da queda do Acropólio, 
Do Partenon!...
Sem sacerdote, a Crença morta 
Sentir, e o susto
Ver, e o extermínio, entrando a porta 
Do templo augusto!...
Ver esta língua, que cultivo, 
Sem ouropéis,
Mirrada ao hálito nocivo 
Dos infiéis!...
Não! Morra tudo que me é caro, 
Fique eu sozinho!
Que não encontre um só amparo 
Em meu caminho!
Que a minha dor nem a um amigo 
Inspire dó...
Mas, ah! que eu fique só contigo, 
Contigo só!
Vive! que eu viverei servindo 
Teu culto, e, obscuro,
Tuas custódias esculpindo 
No ouro mais puro.
Celebrarei o teu oficio 
No altar: porém,
Se inda é pequeno o sacrifício, 
Morra eu também!
Caia eu também, sem esperança, 
Porém tranqüilo,
Inda, ao cair, vibrando a lança, 
Em prol do Estilo!


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