14 fevereiro 2020

O GUARANI - 2 ANO

O GUARANI

        Os gritos e bramidos dos selvagens, que continuavam com algumas interrupções, foram-se aproximando da casa; conhecia-se que escalavam o rochedo nesse momento.
        Alguns minutos se passaram numa ansiedade cruel. D. Antônio de Mariz depositou um último beijo na fronte de sua filha; D. Lauriana apertou ao seio a cabeça adormecida da menina e envolveu-se numa manta de seda.
        Peri, com o ouvido atento, o olhar fito na porta, esperava. Ligeiramente apoiado sobre o espaldar da cadeira às vezes estremecia de impaciência e batia com o pé sobre o pavimento da sala.
        De repente um grande clamor soou em torno da casa; as chamas lamberam com as suas línguas de fogo as frestas das portas e janelas; o edifício tremeu desde os alicerces com o embate da tromba de selvagens que lançava nomeio do incêndio.
        Peri, apenas ouviu o primeiro grito, reclinou sobre a cadeira e tomou Cecília nos braços; quando o estrondo soou na porta larga do salão, o índio já tinha desaparecido.
        Apesar da escuridão profunda que reinava em todo o interior da casa, Peri não hesitou um momento; caminhou direto ao quarto onde habitara sua senhora, e subiu à janela.
        Uma das palmeiras da cabana estendia-se por cima do precipício e apoiava-se a trinta palmos de distância sobre um dos galhos da árvore que os aimorés tinham abatido durante o dia que tiraram aos habitantes da casa a menor esperança de fuga.
        Peri, apertando Cecília nos braços, firmou o pé sobre essa ponte frágil, cuja face convexa tinha quando muito algumas polegadas de largura.
        Quem lançasse os olhos nesse momento para aquela banda da esplanada veria ao pálido clarão do incêndio deslizar-se lentamente por cima do precipício um vulto hirto, como um desses fantasmas que, segundo a crença popular, atravessam à meia-noite as velhas ameias de algum castelo em ruínas.
        A palmeira oscilava, e Peri, embalando-se sobre o abismo, adiantava-se vagarosamente para a encosta oposta. Os gritos dos selvagens repercutiam nos ares de envolta com o estrépito dos tacapes que abalavam as portas da sala e as paredes do edifício.
        Sem se inquietar com a certa tumultuosa que deixava após si, o índio ganhou a margem oposta, e segurando com uma mão nos galhos da árvore, conseguiu tocar a terra sem o menor acidente.
        Então, fazendo uma volta para não aproximar-se do campo dos aimorés, dirigiu-se à margem do rio; aí estava escondida entre as folhas a pequena canoa que serviria outrora para os habitantes da casa atravessarem o Paquequer.
        Durante a ausência de uma hora que Peri tinha feito, quando deixava Cecília adormecida, ele havia tudo preparado para essa empresa arriscada que devia salvar sua senhora.
        Graças à sua atividade espantosa, armou com o auxílio da corda a ponte pênsil sobre o precipício, correu ao rio, amarrou a canoa no lugar que lhe pareceu mais propício, e em duas viagens levou esse barquinho que ia servir de morada a Cecília durante alguns dias, tudo quanto a menina podia crescer.
                           JOSE DE ALENCAR.
Questões: 

1 - Identifique os indícios do romance indianista no fragmento acima:
2- Como José de Alencar retratou a formação do Brasil e do povo brasileiro?
3-Como acontece a construção do personagem Peri?


4- Comente as características de suserania e vassalagem na a relação de Peri e os brancos: 

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