02 setembro 2022

ATIVIDADE - GÊNEROS NARRATIVOS

 CRÔNICAS DO COTIDIANO

Nas eleições para a escolha dos prefeitos de 2000, o cronista Moacyr Scliar
escreveu uma crônica em que fala sobre a aparência ideal de um candidato político.

PARTE I 

O Outro
Moacyr Scliar 
“ Atentos ao visual, candidatos usam roupas para disfarçar características durante
programa eleitoral, como altura, peso e calvície.”
Eleições, 21 ago. 2000
Ele queria muito ser eleito. Não: ele precisava muito ser eleito. Estava atrás de um emprego que lhe desse um bom salário, mordomias e verbas para gastar na contratação de assessores – além, claro, das múltiplas oportunidades que, como vereador, teria.
O problema era arrumar votos. Não tinha amigos, não era conhecido, nem sequer recebera um apelido pitoresco que pudesse usar na propaganda. Mas o pior não era isso. O pior que combinava um visual péssimo – baixinho, gordinho, careca – com uma congênita inabilidade para falar em público. Em desespero, resolveu procurar um marqueteiro. Estava disposto a gastar uma boa grana nisso, desde que pudesse adquirir uma nova imagem, uma imagem capaz de garantir a eleição.
O marqueteiro, famoso, exigiu honorários salgados, mas garantiu resultados. Que, de fato, não se fizeram esperar. Em poucas semanas o candidato era outro. Mais magro, mais alto (saltos especiais) com uma bela peruca, parecia agora um galã de novela. Além disso, transformara-se num fantástico orador, um orador capaz de galvanizar o público com uma única frase. Se foi eleito? Foi eleito com uma avalanche de votos. O que representou um duplo alívio: de um lado, conquistava o cargo tão sonhado. De outro, podia deixar de lado a peruca, os sapatos com saltos especiais e a dieta. E também podia falar normalmente, no tom meio fanhoso que o caracterizava. E aí começaram as surpresas desagradáveis. Quando foi tomar posse, ninguém o reconheceu. Mas como? Então era aquele tipo charmoso, magnético, da tevê e dos cartazes? Era ele sim, como o comprovou, mostrando a identidade. Não foi a única contrariedade. Logo descobriu que como vereador, era péssimo: não sabia falar, não convencia ninguém, sequer era procurado por lobistas. Bom mesmo, concluiu com amargura, era o Outro, aquele que o marqueteiro tinha inventado. Aquele sim, podia fazer uma grande carreira, chegando quem sabe à Presidência. Mas onde estava o Outro? Só uma pessoa poderia ajudá-lo nessa busca, o marqueteiro. Só que o marqueteiro tinha sumido. Com o dinheiro ganho nas eleições resolvera passar dois anos em alguma praia do Caribe. Todas as noites o vereador sonha com o Outro. Vê-o na Câmara, discursando, empolgando multidões. Mas não sabe o que fazer para encontrá-lo. Sabe, sim, o que dirá se isso um dia acontecer. E o que dirá, numa voz fanhosa e emocionada, será: o senhor pode contar com meu voto - para sempre.
Moacyr Scliar. O imaginário cotidiano. São Paulo, Gaia, 2006


CONHECENDO O AUTOR
Moacyr Jaime Scliar nasceu em Porto Alegre (RS) no dia 23/03/1937. Sua mãe,
professora primaria, foi quem o alfabetizou. Em 1962, publica seu primeiro livro, “Histórias de
um Médico em Formação”. A partir daí não parou mais. São mais de 67 livros abrangendo o
romance, a crônica, o conto, a literatura infantil, o ensaio, pelos quais recebeu inúmeros prêmios
literários. Suas obras foram traduzidas para doze idiomas. Colabora com diversos dos principais meios de comunicação da mídia impressa (Folha de São Paulo e Zero Hora).
Em 31 de julho de 2003 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira nº. 31. ( Fonte: www.releituras.com)
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Moacyr_Scliar

Palavras do Autor para os Estudantes
Gente, é uma glória ser lido por vocês. Espero que vocês tenham tanto prazer na leitura
quanto eu tive escrevendo. E espero que meus livros ajudem vocês a entender um pouco
melhor a nossa realidade e a vida em geral. 
(Entrevista dada a Vagner Lemos – fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Moacyr_Scliar)


Conversando e pensando sobre o texto
1- O que manifestou o desejo do personagem de se tornar um político?
2- Releia o início do texto e responda. Por que o autor troca o verbo querer pelo
verbo precisar?
3- Quais as características descritas pelo personagem de si mesmo? Elas se
enquadram no tipo ideal de político? Justifique sua resposta com elementos
do texto.
4- Qual o recurso utilizado por ele para atingir seu objetivo?
5- Para compreender o texto é necessário ter um conhecimento compartilhado
com o autor. Que conhecimento é este?
6- Após ser eleito há uma descaracterização do personagem criado para a
campanha eleitoral que o leva a perceber o quê?


PARTE II

DE OLHO NO GÊNERO
Leia agora outra crônica do mesmo autor e analise as características do gênero.
Laços de Família 
“Homem de 24 anos joga sua avó do 21º andar.”
Folha Online, 20 fev. 2001
Que olhos grandes você tem, meu neto! – São para te olhar, vovó. O olhar de um neto sobre sua avó é sempre significativo. No rosto enrugado ele lê a história de sua família, ele lê a sua própria história. Ele compreende que foi precedido, neste mundo, por gente que lutou e sofreu para que ele pudesse viver. Gente que o alimentou, que o embalou para dormir, gente que cuidou dele quando estava
enfermo. E também gente que o maltratou, não é, vovó? Enfim: o rosto de todas estas pessoas se condensa, por assim dizer, na face da vovó, a face que o neto contempla com ambivalente melancolia.
– Hum. Não sei se compreendi, mas você fala bonito, é bom de escutar. A propósito, meu neto, que orelhas grandes você tem.
– São para te ouvir, vovó. Para um neto, as palavras de sua avó são música, às vezes dissonante, a celebrar os mistérios da existência. Ouvindo sua vovó o neto aprende a viver. É claro que vovós em geral são velhinhas e freqüentemente falam baixinho; de modo que as orelhas crescem, se expandem para capturar todos os sons mesmo os mais débeis.
– Hum. E que nariz grande você tem, meu neto!
– É para te cheirar, vovó. O teu odor me leva de volta à infância; quando entravas em meu quarto era a primeira coisa que eu sentia, esse teu tão característico cheiro. Até hoje me causa engulhos, você sabe? Até hoje. O tempo passou, e muitos outros odores entraram em minhas narinas, inclusive o perfume de belas mulheres, mas o seu cheiro está sempre em minha memória. Que coisa, não é?
– É... A propósito, que mãos grandes você tem, meu netinho!
– São para te agarrar, vovó. Como você me agarrava quando era pequeno, em geral para me surrar. Você me deu surras homéricas, vovó. Talvez eu as tenha merecido, não sei. O fato é que o ressentimento ficou dentro de mim, um ressentimento que jamais consegui vencer. Cresci olhando minhas mãos, ansiando que elas ficassem fortes o suficiente para mostrar a todos – principalmente a você – que já não sou um garotinho indefeso. Minhas mãos hoje são instrumento de
vingança, querida vovó.
– É mesmo? Escute, meu neto, não estou gostando desta conversa. Vamos mudar de assunto? Vamos falar deste quarto. Que janela grande tem este quarto, meu netinho! Por que uma janela tão grande?
– Você já vai ver, vovó.
(Um grito de anciã. Depois, um baque surdo. E o silêncio, mais ensurdecedor que uma batucada de carnaval.)
(Moacyr Scliar)
Reconhecendo o Gênero
O Pitoresco
A busca pelo pitoresco permite ao cronista captar o lado engraçado das coisas, fazendo do riso um jeito ameno de examinar determinadas contradições. 

O texto Laços de Família é uma crônica. O trecho em letras menores que aparece logo abaixo do título do texto é o título da notícia que foi publicada na Folha OnLine - Mundo.

Observe as características do texto, responda os itens a seguir.

1- Caracterize a linguagem utilizada no texto.
2- A crônica é estilo circunstancial. O tema e os fatos narrados são raros, incomuns ou corriqueiros e podem realmente acontecer no cotidiano de qualquer pessoa?
3- Levando em conta os itens anteriores formule um conceito da crônica destacando suas características.
4- Qual a intenção do autor ao inserir o conto de fadas na narrativa?
Compreendendo o texto

Ao escrever a crônica Laços de família, Moacyr Scliar fez intertextualidade com um
texto bastante conhecido da literatura infantil. Para compreender o texto precisamos compartilhar deste conhecimento. Que conhecimento é este?

LEITURA COMPLEMENTAR 

PARTE III 
Um pouco da história da crônica

A palavra crônica deriva do Latim chronica que significava, no início da era cristã, o relato de acontecimentos em ordem cronológica (a narração de histórias segundo a ordem em que se sucedem no tempo). Era, portanto, um breve registro de eventos. No século XIX, com o desenvolvimento da imprensa, a crônica passou a fazer parte dos jornais. Esses textos comentavam, de forma crítica,
acontecimentos que haviam ocorrido durante a semana. Tinham, portanto, um sentido histórico e serviam, assim como outros textos do jornal, para informar o leitor. Nesse período, as crônicas eram publicadas no rodapé dos jornais, os "folhetins". Essa prática foi trazida para o Brasil na segunda metade do século XIX. Com o passar do tempo, a crônica brasileira foi, gradualmente, distanciando-se daquela crônica com sentido documentário originada na França. Ela passou a ter um caráter mais literário, fazendo uso de linguagem mais leve e envolvendo poesia, lirismo e fantasia. Diversos escritores brasileiros de renome escreveram crônicas: Machado de Assis, João do Rio, Rubem Braga, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Alcântara Machado, etc. (fonte: Wikipedia)


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