11 abril 2019

Ecos do Âo e Agora José

Ecos do Âo
Canção de Lenine

Letras

Rebenta na febem rebelião
Um vem com um refém e um facão
A mãe aflita grita logo "não!"
E gruda as mãos na grade do portão
Aqui no caos total do cú do mundo cão
Tal a pobreza, tal a podridão
Que assim nosso destino e direção
São um enigma, uma interrogação
Ecos do ão
E, se nos cabe apenas decepção
Colapso, lapso, rapto, corrupção
E mais desgraça, mais degradação
Concentração, má distribuição
Então a nossa contribuição
Não é senão canção, consolação
Não haverá então mais solução
Não, não, não, não, não
Ecos do ão
Ecos do ão
Pra transcender a densa dimensão
Da mágoa imensa então, somente então
Passar além da dor da condição
De inferno e céu nossa contradição
Nós temos que fazer com precisão
Entre o projeto e sonho, a distinção
Para sonhar enfim sem ilusão
O sonho luminoso da razão
Ecos do ão
E se nos cabe só humilhação
Impossibilidade de ascensão
Um sentimento de desilusão
E fantasias de compensação
E é só ruína, tudo em construção
E a vasta selva, só devastação
Não haverá então mais salvação?
Não, não, não, não, não
Ecos do ão
Ecos do ão
Porque não somos só intuição
Nem só pé-de-chinelo, pé no chão
Nós temos violência e perversão
Mas temos o talento e a invenção
Desejos de beleza em profusão
Ideias na cabeça, coração
A singeleza e a sofisticação
O choro, a bossa, o samba e o violão
Ecos do ão
Mas, se nós temos planos, e eles são
O fim da fome e da difamação
Por que não pô-los logo em ação?
Tal seja agora a inauguração
Da nova nossa civilização
Tão singular igual ao nosso ão
E sejam belos, livres, luminosos
Os nossos sonhos de nação
Ecos do ão
Ecos do ão
Ecos do ão
Ecos do ão
Compositores: Carlos Aparecodp Renno / Oswaldo Lenine Macedo Pimentel

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

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